quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A DIREITA UNE-SE SEMPRE PARA FAZER O MAL?

Em artigo recentemente publicado no "Diário de Notícias", o escritor e jornalista Batista Bastos citava a seguinte afirmação do filósofo francês Merleau Ponty: "a direita une-se sempre para fazer o mal".
Aquele intelectual foi um destacado marxista ortodoxo e grande amigo da ex-URSS. Mais tarde, afastou-se do marxismo e aderiu ao movimento filosófico denominado fenomenologia. Batista Bastos não menciona em que fase da sua vida Ponty proferiu aquela expressão.
Historicamente, no nosso entender, não é correcto falar apenas numa, mas em várias direitas. A distinção direita/esquerda é estabelecida, pela primeira vez, aquando da Revolução Francesa de 1789. No parlamento francês, os moderados (girondinos) sentavam-se à direita e os radicais (jacobinos), que se destacaram pelo terror não só contra os absolutistas e monárquicos, defensores do "ancien régime", mas também contra os girondinos, sentavam-se à esquerda.
Na altura, ser de esquerda significava optar pela revolução, a violência e o arbítrio contra os seus inimigos. A direita dividia-se em duas: democrática (girondina) e anti-democrática ou reaccionária (absolutista).
No século XIX e especialmente no século XX, após a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, a esquerda divide-se em partidos comunistas e socialistas, trabalhistas ou sociais-democratas, os primeiros, defensores da via revolucionária para a tomada do poder e da ditadura do proletariado, e os segundos apostando na via das reformas, dentro da democracia parlamentar, para a realização dos seus objectivos.
A direita democrática, por sua vez, deu origem aos partidos conservadores, liberais e, em pleno século XX, democratas-cristãos, inspirados na doutrina social de Igreja. Na direita reaccionária surgem o nazismo, o fascismo e todas as ditaduras de direita, militares ou civis, como a de Salazar.
Os direitos sociais são, de início, uma marca indelével da esquerda, enquanto a liberdade económica é património da direita, embora alguns sectores deste lado político, especialmente os anti-democráticos, tenham um carácter paternalista e anti-liberal.
Em Portugal, Francico Sá Carneiro procurou fazer a síntese daquelas posições da direita e da esquerda, criando um partido social democrata, reformista e de centro, albergando personalidades e eleitorado do centro-direita à esquerda moderada não identificada com o PS então influenciado pelo marxismo. Não é abusivo, antes pelo contrário, afirmar ser o pensamento de Sá Carneiro o precursor doutrinário da terceira via postulada na última década do século passado por Bill Clinton e socialistas como Tony Blair ou Schroeder.
Com as mudanças estonteantes verificadas nas últimas décadas, os partidos da Internacional Socialista endossaram a economia de mercado, diminuindo, consequentemente, as diferenças entre direita e esquerda.
Por outro lado, a direita democrática integrou, particularmente após a II Guerra Mundial, princípios sociais tradicionalmente de esquerda, efectuando em diversos países importantes reformas estruturais que estiveram na origem da melhoria das condições de vida dos seus cidadãos.
O Estado Social é património da direita e da esquerda democráticas. Nesse tempo, a direita conservadora ou liberal, sempre que se unia, praticava o bem.
Com Ronald Reagan e Margareth Thatcher ressurge o liberalismo económico. O excesso de Estado na economia estava a levar o Ocidente à decadência. O liberalismo derrotou claramente o socialismo, mesmo o democrático, dados os seus resultados económicos e sociais, pois os indicadores relativos ao bem-estar e ao emprego eram muito positivos em todos os países que apostavam na liberalização, especialmente nos EUA e no Reino Unido. A tal, além da queda do chamado "socialismo real" no leste, não foi alheia a opção dos socialistas pela economia de mercado e, entre estes, o surgimento da terceira via.
Posteriormente, a globalização sem regras, o enorme recuo do capitalismo produtivo, o avanço da economia de casino e a excessiva desregulamentação permitiram a nova ostentação da face do capitalismo selvagem. Todos estes aspectos, o egoismo e o individualismo inerentes aos mesmos, foram condenados na última mensagem de Ano Novo proferida pelo Papa Bento XVI, à semelhança do afirmado e reafirmado por João Paulo II praticamente desde a queda do muro de Berlim.
Este avanço do capitalismo selvagem, o qual tem cavado as desigualdades, aumentado a pobreza e o desemprego, e demonstrado enorme insensibilidade social, tem o suporte político da nova direita actualmente nos governos de uma série de países europeus e dominante no Partido Republicano dos EUA. Esta nova direita, por sua vez, conduzida por políticos (as) medíocres, tem submetido o poder político ao poder económico, em nome de um liberalismo nitidamente distinto do espírito liberal tradicional, não passando de uma doença infantil daquela ideologia, à semelhança do que Lenine afirmava pelo ultra-esquerdismo relativamente ao comunismo. Tal direita está representada no nosso país pelo actual governo, Passos Coelho, Vitor Gaspar, Paulo Portas e tutti quanti.
Hoje, a direita europeia e americana une-se para fazer o mal, contrariamente ao período que medeia entre 1945 e 1989. Para a derrotar, a esquerda democrática deverá distanciar-se da esquerda herdeira dos jacobinos e neo-marxista, seguindo as posições da terceira via, adaptadas aos novos tempos.

Publicado na "Gazeta da Beira", de 10/01/2013

Sem comentários: