quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SOB O PAVIMENTO O MAR

Um dos slogans mais utilizados durante o Maio de 1968 foi "sob o pavimento o mar". Numa altura em que o crescimento económico, um desemprego baixo e um bom poder de compra caracterizavam a França, explode naquele país uma revolução intelectual e juvenil de grandes proporções, que mais tarde se estende às fábricas. Sob a aparência de um pavimento social consistente, existia, afinal, um mar em fúria.
Quando os operários, com os acordos de Grenelle, obtiveram 60% de aumento nos seus vencimentos, voltaram ao trabalho. Não queriam revolução nenhuma. Queriam ganhar mais. Claro que tais aumentos provocaram uma acentuada subida da inflação, a qual lhes "comeu" os aumentos salariais.
Seguidamente, em Junho do mesmo ano, a coligação dirigida por De Gaulle vence as eleições legislativas realizadas no seguimento da dissolução do parlamento, por maioria absoluta. Para os "maiistas", como diz José Mário Branco numa das suas canções, "foi um sonho lindo que findou".
Os "maiistas" lutavam por uma sociedade aberta e contra o conservadorismo social e hipócrita daquela época, o qual aliavam ao capitalismo democrático existente no Ocidente. Por outro lado, detestavam a URSS, os seus países satélites e os PCs pró-soviéticos. A todo este caldo cultural não foi, naturalmente, alheia a extrema-esquerda então em força na Europa e nos EUA, especialmente a sua facção maoista.
Passados todos estes anos, quando se pensava termos uma democracia consolidada, estando derrotadas as ideologias que conduziram à II Grande Guerra Mundial (fascismo, nazismo e comunismo), eis que novos atentados e revoltas surgem em todo o Ocidente.
Como se não bastasse um terrorismo externo ao Ocidente, praticado nos EUA e em alguns paises europeus pelo pior inimigo da liberdade nos nossos dias, o fundamentalismo islâmico, surgem movimentos niilistas e destrutivos dentro das próprias sociedades democráticas.
Na pacífica e estável Noruega, Breivik, militante de extrema-direita, anti-nazi e anti-marxista, admirador de Israel, católico fundamentalista, colocou uma bomba no edifício governamental e assassinou largas dezenas de jovens militantes trabalhistas, conotados com o partido no poder naquele país.
Na Grécia, na França, há alguns anos, e presentemente, na Grã-Bretanha, movimentos de jovens desempregados e até crianças, desenraizados socialmente, muitos emigrantes ou filhos dos mesmos, destroem casas comerciais, habitações e automóveis, provocando o pânico. Atacam a propriedade a que não têm acesso. Porquê?
Embora Breivik não nos pareça um louco, mas um homem inteligente e com capacidade de organização, politicamente fanático, custa-nos crer ter actuado isolado. A extrema-direita em que milita tem crescido muito nas últimas décadas na Europa, especialmente devido ao avanço do federalismo que pretende dissolver as identidades nacionais. Recordamos que os fundadores da CEE sonhavam com uma Europa unida económica e politicamente, mas respeitadora daquelas identidades. Esse sonho resumia-se na vontade da criação de uma "Europa das Pátrias, do Atlântico aos Urais", como dizia De Gaulle.
Por outro lado, os abusos do capitalismo, especialmente do financeiro, conduziram à crise económica, financeira e social hoje vigente na Europa rica (será que ainda o é?)e nos EUA, provocaram desemprego, pobreza e miséria, não só entre os menos favorecidos, mas também nas classes médias. As revoltas a que temos assistido são a consequência desses factores. Como o comunismo tradicional está desacreditado, assistimos a movimentos espontâneos ou controlados por organizações esquerdistas, segundo a concepção leninista do termo, blanquistas e anarquistas.
É bom que os partidos, personalidades e forças crentes na liberdade e na democracia actuem em defesa do regresso a um capitalismo de rosto humano, dotado de justiça social, do qual também beneficiem os trabalhadores e todos os pobres, especialmente os desempregados e marginalizados, que conjuge o mérito necessário ao crescimento e desenvolvimento económicos com a justiça social e humana. Mas também devem convencer-se, no velho continente, que a UE ou respeita as especificidades de cada nação ou implodirá política e economicamente. Caso assim não procedam, assistiremos ao aumento do niilismo que, provavelmente, ninguém sabe onde nos conduzirá. É que a História não tem um sentido unidimensional...