segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


Em entrevista concedida a Jaime Gama, no jornal "República", em 1972, Sá Carneiro definiu-se como social-democrata. Naquela época, o primeiro líder do PSD era deputado, como independente, à então Assembleia Nacional. Em 1969, aceitou a eleição, naquela qualidade, para tal órgão, onde se bateu pela democratização da sociedade. Em Janeiro de 1973, por ter concluido que Marcelo Caetano, embora não fosse tão ditador como Salazar, também não queria encaminhar o país na senda da democracia, demitiu-se de deputado, tendo o seu exemplo sido seguido por todos os outros deputados da chamada ala liberal, com excepção de Mota Amaral, no final do mandato para que foram eleitos.



Na mesma altura surge o "Expresso", onde Sá Carneiro, numa coluna intitulada "Visto", continua a bater-se pela liberalização e democratização da sociedade.



Após o 25 de Abril, no dia 6 de Maio de 1974, com outros dois colegas seus da "Ala Liberal", Pinto Balsemão e Magalhães Mota, funda o Partido Popular Democrático (PPD), actual Partido Social Democrata (PSD), definindo o mesmo como social democrata.





Sá Carneiro nunca viu a ideologia como dogma ou "ópio dos intelectuais", como dizia Raymond Aron, utilizando esta expressão essencialmente em relação aos intelectuais marxistas. Para Sá Carneiro, a ideologia era como uma luz a iluminar o caminho, mas tendo em conta as suas sinuosidades.





Como disse, há muitos anos, o deputado social democrata Pacheco Pereira, também defensor do liberalismo, o PPD não se baseava numa ideologia estanque, como o PCP (marxismo-leninismo), o PS (socialismo democrático, herdeiro da II Internacional e, no pós-25 de Abril, também marxista), o CDS (democracia-cristã). Era a síntese de partes de ideologias: o humanismo cristão, apesar do carácter laico do partido, de que resultava a valorização da pessoa, o liberalismo, na organização do Estado e da economia, e a social-democracia, como, aliás, a tradição socialista, em geral, no tocante à defesa dos pobres e desfavorecidos da sociedade.




Aquela síntese constituía a social democracia portuguesa, diferente dos partidos sociais-democratas da Internacional Socialista.



Hoje, quanto a nós, a dicotomia esquerda-direita está desactualizada, mas, naquele tempo, fazia todo o sentido. O PPD, como facilmente se constata, tinha influências consideradas historicamente de direita, na economia, e de esquerda, no plano social. Não era, consequentemente, um partido “de direita”, mas um partido central e reformista, que albergava um vasto conjunto de pessoas que iam da direita democrática à esquerda também democrática, não marxista e não estatista. Contra os ventos de então, Sá Carneiro batia-se pela defesa da propriedade privada, como base da economia, e do mérito pessoal, conjugados com a igualdade de oportunidades.





No primeiro programa do PPD, era afirmado que o objectivo final da social democracia seria a sociedade socialista. Tal deveu-se ao clima então vivido. Quem não fosse pelo socialismo sujeitava-se a ir parar à cadeia. Por outro lado, havia muita gente no PPD a pretender transformá-lo num apêndice do PS. Foi contra essas pessoas, que acabaram por abandonar o PSD, indo algumas parar ao PS, que Sá Carneiro travou muitas batalhas no partido. A sua vontade, desde sempre, mas principalmente após o PREC, era a da aplicação de um liberalismo regrado, acompanhado de uma forte componente social. Nunca foi, no entanto, de direita, nem o PSD, depois de clarificado e livre dos aliados internos do PS.



Em 1979, sabendo que o país se encontrava em muito má situação económica, financeira e social, e com o sistema partidário consignado na Constituição, tinha a noção de que o seu partido, sozinho, dificilmente conseguiria obter uma maioria absoluta. Inicialmente, propôs uma coligação ao PS, repudiada por Mário Soares. Seguidamente, construiu com Freitas do Amaral (CDS), Ribeiro Teles (PPM) e o Movimento Reformador, dissidente do PS, a Aliança Democrática (AD), a qual não era “a direita", mas uma frente reformista, englobadora de vários sectores, desde os conservadores, inequivocamente democratas, até à esquerda moderada. A AD conquistou o eleitorado central, o que lhe garantiu duas maiorias absolutas, em 1979 e 1980, tendo esta reforçado a primeira.





A AD que hoje se perspectiva é diferente. E não é só pela distância temporal. Por um lado, nem Passos Coelho, nem Portas têm o nível e o carisma de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles, por outro, o PP não é o CDS, partido conservador e democrata-cristão, mas defensor da democracia e das liberdades fundamentais. O PP, além de ser um partido que já afirmou tudo e o seu contrário, reviu-se, por diversas vezes, em posições próximas da direita radical. Se o PSD quiser, mesmo tendo maioria no parlamento, aliar-se ao PP (onde estão os "reformadores" de hoje, situados à "esquerda"?), assumirá uma posição de direita, se ainda quisermos utilizar a dicotomia acima mencionada, afastando-se da sua matriz original. O eleitorado central - o que dá vitórias – aproximar-se-á do PS, até porque quando decorrerem as próximas eleições legislativas dificilmente Sócrates liderará o PS. Aparecerá no seu lugar, certamente, outro líder não "queimado".



Se o liberalismo fosse a prática de Passos Coelho, como dizia recentemente um analista político, Adam Smith, caso cá voltasse, seria anarquista.