quinta-feira, 24 de outubro de 2013

AMIZADES E SUBMISSÕES

Numa entrevista concedida, há cerca de um quarto de século, ao jornal da sua organização, "Diário", o líder do Partido Comunista do Perú, mais conhecido por Sendero Luminoso, Abimael Guzzman, a uma pergunta sobre se tinha amigos, respondeu "não tenho. Tenho camaradas, bons camaradas". Esta expressão, além de demonstrar que para este intelectual e dirigente revolucionário a amizade nada conta, nem qualquer outro sentimento individual, mas apenas a camaradagem e a realização da revolução, tinha outro significado: avisar os ditos camaradas que não eram seus amigos e, se pisassem o risco, sabiam o que os esperava.
Ontem, durante um debate parlamentar, em resposta a uma acusação do líder do PCP, Jerónimo de Sousa, de que o governo servia os seus amigos banqueiros, Pedro Passos Coelho afirmou não ter o governo amigos.
Entre os pobres e a classe média não se vê, de facto, amizade ou simpatia pelo executivo de Passos Coelho. Só por masoquismo se pode gostar de um governo que, além de tudo que já fez contra estas camadas da população, na proposta do OGE/2014 corta salários e pensões a partir de 600,00 euros, mantém o IRS e o IVA elevados e prevê um desemprego ainda maior, enquanto baixa o IRC em 2%. Pouco antes, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, pessoa conhecidíssima pela sua coerência, dizia não serem necessárias mais medidas de austeridade.
Diz o governo que a baixa do IRC estimula a economia. Como, se a população continua a perder poder de compra, tendo menos dinheiro para adquirir os produtos fabricados pelas empresas? Incentivando as exportações, diz o governo. Só que, 95% das empresas são PMEs. A sua esmagadora maioria vive do mercado interno. Logo, esta baixa do IRC, sem a diminuição do IRS e do IVA, e tendo em conta o corte de salários e pensões, apenas beneficia as grandes empresas, prosseguindo a liquidação de muitas das pequenas e médias. Mais uma demonstração do carácter de classe do governo Passos/Portas!
Aqui chegados, parece que os amigos do governo são os banqueiros e os grandes industriais. Nem sempre o que parece é. A relação entre uns e outros não é de amizade, mas de submissão do governo ao poder económico, que utiliza aquele, mas não vê os seus membros como amigos, até porque não são dos seus.

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