sexta-feira, 10 de maio de 2013

FALECEU MARGARETH THATCHER

Recentemente, faleceu Margareth Thatcher, ex-primeira ministra britânica entre os anos de 1979 e 1990.
A dama de ferro, como lhe chamaram, naquele tempo, os soviéticos e assim ficou conhecida, foi eleita pelo Partido Conservador, tendo herdado do Partido Trabalhista, então inspirado no marxismo, uma economia débil, com enorme inflação e desemprego.
Margareth Thatcher, após ter sido eleita primeira-ministra, pôs em prática o liberalismo económico então na moda, hoje causa da decadência europeia.
O governo conservador diminuiu o peso do Estado na economia, privatizando uma série de importantes empresas estatais, cortou despesas públicas e diminuiu os impostos.
Nas privatizações foi aplicado o capitalismo popular através da dispersão do capital das empresas por pequenos accionistas e pelos trabalhadores das mesmas. Thatcher dizia pretender tornar cada inglês num proprietário, o que, em parte, foi conseguido. Dois terços dos britânicos tornaram-se donos de casa própria e automóvel. A inflação baixou. O desemprego, numa primeira fase, aumentou muito, dado o encerramento de empresas deficitárias. Posteriormente diminuiu, quase tendo sido atingido o pleno emprego, facto a que não foi alheia a revisão das leis laborais. O crescimento da economia e do poder de compra dos cidadãos foi acentuado.
A nível da política internacional, recusou, tal como Reagan, a conciliação com a então URSS, apoiando os movimentos contestatários dos países de leste, como o Solidariedade, na Polónia e, numa fase posterior, os esforços de Gorbatchev no sentido de democratizar a chamada pátria soviética. Reagan, Thatcher, o Papa João Paulo II e o próprio Gorbatchev foram os grandes responsáveis pela queda do muro de Berlim e o fim do comunismo.
Margareth Thatcher sempre se manifestou contra o federalismo europeu e a moeda única, prevendo que aqueles conduziriam à diminuição da soberania de cada país e ao domínio alemão. A História está a dar-lhe razão. No entanto, também não tinha uma perspectiva nacionalista. Defendia uma Europa unida, onde pessoas e mercadorias circulassem livremente, mas fosse respeitada a soberania dos parlamentos nacionais.
Estes são os aspectos positivos da política thatcheriana. Mas, como diz uma velha expressão, não há “bela sem senão”.
A outra face da política desta senhora tem muitos aspectos negativos.
Se é verdade que a maioria da população passou a viver melhor e o número de pobres diminuiu, não teve preocupação social relativamente a estes. Esta lady proferiu frases demonstrativas de que quem era pobre o era por culpa própria, devendo assumir essa “cruz”. Não é por acaso que o actual governo tem como referência o liberalismo económico, tendo os partidos que o constituem renegado (é esse mesmo o termo) a social-democracia e a democracia-cristã.
Thatcher afirmou que “a sociedade não existe, mas apenas cidadãos e famílias”. Esta expressão é demonstrativa do individualismo e ausência de sentido social caracterizadores da sua personalidade e de todos os neo-liberais seus seguidores.
O egoísmo decorrente daquela ideologia, fomentador do “cada um por si” e da ausência de sentido espiritual é um dos factores da decadência das sociedades livres ocidentais.
A excessiva desregulamentação praticada por Thatcher e pelo seu amigo e parceiro ideológico Ronald Reagan, em nome da libertação da sociedade civil, está na origem do capitalismo selvagem hoje dominante em boa parte do mundo e da crise devastadora que grassa no Ocidente, especialmente em Portugal e nos outros países do sul da Europa.
Outra faceta de Thatcher era o autoritarismo. Diálogo com as forças da sociedade que em Portugal se chamam parceiros sociais não era com ela. Recordo que o então primeiro-ministro Cavaco Silva dizia ser o diálogo com os parceiros sociais uma das características que o distinguiam da sua colega britânica. Curiosamente, num artigo laudatário de lady Thatcher que escreveu na Revista da edição do “Expresso”, de 13/4/2013, omitiu aquele aspecto…
A desregulamentação já mencionada levou ao controlo do poder político pelo poder económico. É o liberal Mário Vargas Llosa quem o diz, considerando poder conduzir tal situação ao fim da própria democracia.
A globalização injusta, a qual agravou as desigualdades sociais, e a troca da produção pela economia de casino são outros factores decorrentes do neo-liberalismo na origem da grave crise presentemente vivida em boa parte do globo, muito especialmente na UE.
O liberalismo económico na sua faceta reaganista-freedmanista-thatcherista, deturpador do espírito original liberal, é, pois, o principal culpado da crise e injustiças hoje vividas. Para a ultrapassagem desta situação, é necessário e urgente acompanhar a liberdade económica e a globalização por regulação estatal, a primeira, e por uma entidade supra-nacional, a segunda, apenas permitindo o livre comércio a países praticantes da democracia e dos direitos humanos e sociais.
Por outro lado, é necessário o investimento estatal como forma de puxar pela iniciativa privada. Se tal política poderá levar a um aumento da despesa pública e do défice numa primeira fase, o crescimento económico decorrente da mesma diminui-los-á, criando riqueza e emprego. A solução monetarista e “austeritária” das instituições europeias e do FMI apenas soma crise à crise, sendo Portugal , infelizmente, um caso paradigmático, dessa situação. Aos que dizem constituirem estas ideias uma utopia, recordo terem a América após a crise económica de 1929 e a Europa do pós 2ª Guerra Mundial, através do Plano Marshall, adoptado aquela política económica Keynesiana com grande sucesso económico e social.
A terminar: o leitor perguntará: este indivíduo não andou muitos anos a defender o liberalismo? A resposta aqui fica: continuo a ser liberal no plano político e nos costumes. Defendo a liberalização económica (não é o mesmo que liberalismo económico), com “freio”, acompanhada de forte componente social e regulada pelo Estado, o qual deverá ter um papel importante no tocante ao investimento público e na manutenção sob o seu controlo dos chamados monopólios naturais, dos quais destaco a água em vias de ser privatizada pelos incompetentes que nos governam.
Autocritico-me por me ter identificado plenamente com as políticas de Reagan e Thatcher. Embora tenham aspectos positivos, também têm muito de negativo e injusto. Falta-lhes o factor social e de preocupação com os mais pobres da sociedade. Foi o que fez Tony Blair, com a terceira via, adicionando estes aspectos à parte positiva da herança dos conservadores e Margareth Thatcher. Foi essa a política de Sá Carneiro, a terceira via, avant la letre , que em Portugal se chama social-democracia.

publicado no jornal GAZETA DA BEIRA

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