quarta-feira, 1 de agosto de 2012

MUDAR SEM TRAIR

No ano de 1984, surgiu a revista "Risco", órgão do Clube da Esquerda Liberal, cujo director era João Carlos Espada. O seu lema era "mudar para não trair".
A quase totalidade dos membros daquele clube e redactores da revista eram antigos militantes de extrema-esquerda, especialmente de organizações maoistas.
Naquela época ainda existia a guerra fria, Gorbatchev ainda não era líder da então URSS e o muro de Berlim manter-se-ia erguido mais 5 anos. Na Albânia, ainda se mantinha no poder o marxista-leninista e anti-revisionista Enver Hodxa. Na China, sim, o maoismo tinha mostrado a sua falência após a morte de Mao Tsé Tung.
Aquele grupo de homens e mulheres tinha-se apercebido que as ideologias radicais que defendeu no tempo da ditadura salazarenta, no PREC e já posteriormente, com generosidade, convencidos que lutavam por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, não conduziam ao paraíso terreno, mas ao inferno, em nome da felicidade colectiva. Foi assim com Lenine, com Estaline, com Mao, com Hodxa, com Fidel, com Pol Pot, com Kim Il Sung e tutti quanti. Por isso, mudou para não trair.
Aderiu ao liberalismo progressivo, o qual, em termos práticos, significa capitalismo regulado pela democracia, com submissão do poder económico ao poder político, acompanhado de forte componente social e respeito pelos direitos de quem trabalha. Assim se poderia alcançar não uma sociedade perfeita, porque tal é uma utopia, mas uma sociedade mais justa e inclusiva, como aliás, tinha mostrado a experiência prática de tais ideias em outros países. Por isso se considerava que permanecer na defesa do marxismo-leninismo, isso sim, seria um acto de traição aos ideais generosos da juventude.
Persistir na defesa daqueles princípios - que influenciaram os partidos socialistas da terceira via, com destaque para o Partido Trabalhista Britânico, o Partido Social Democrata Alemão, ou mesmo a prática do Partido do Trabalho, no Brasil, provando que se pode ser de esquerda e defender o capitalismo, desde que o mesmo se revista de um carácter humanista - continua a ser um acto simultaneamente reformista e revolucionário, no sentido de conciliar o desenvolvimento com a justiça.
Apoiar a política desta nova direita anti-social europeia, e, no que nos toca, do governo português, independentemente de se estar no governo, como Nuno Crato, ou não, é um acto de pura traição. Quem andou na extrema-esquerda e apoia o que aí está não passa de um traidor. Assim será julgado pela História.

Post Scriptum: neste momento, todos os partidos portugueses, especialmente os do arco constitucional, estão afastados do liberalismo progressivo veiculado pelo Clube da Esquerda Liberal. O CDS é bastante conservador. O "liberalismo " do PSD nada tem a ver com os princípios defendidos por Adam Smith, Schumpeter, Hayek, Karl Popper, Raymond Aron e tantos outros, pois este partido trocou a mobilidade e ascenção sociais, que eram seu apanágio desde 1974, por uma política classista, a favor dos "de cima", estando já à direita do CDS. O PS, apesar de aceitar a economia de mercado, continua a ter um forte pendor estatizante e a recusar qualquer reforma do estado social.
Os liberais que ainda permanecem nesses partidos deverão lutar dentro dos mesmos pelas suas ideias, como dizia o grande mestre do liberalismo, Von Mises. Os liberais que não pertencem a qualquer partido, como é o meu caso, terão que se bater pelos seus princípios fora do sistema, em grupos de reflexão, ou usando os meios de comunicação disponíveis.

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