terça-feira, 18 de outubro de 2011

SE SÁ CARNEIRO CÁ VOLTASSE

A propósito das medidas duríssimas e brutais inseridas no OGE/2012, disse o bispo D. Januário Torgal Ferreira que se Sá Carneiro cá voltasse cairia para o lado ou, então, onde estiver, dará muitas voltas, ao ver o caminho seguido pelo partido de que foi o principal fundador e primeiro líder.
Agora pode ver-se o significado da afirmação de Passos Coelho na noite do passado dia 5 de Junho, segundo a qual o legado de Sá Carneiro deve adaptar-se às “novas realidades”. Obviamente, a situação política, social e económica actual é diferente da de há mais de 30 anos, mas os princípios e ideias que estiveram na origem do então PPD são perenes, ainda que adaptados à mudança e não estáticos.
No entanto, a prática do PSD no governo tem constituído um desvirtuamento da social democracia portuguesa. Este PSD não é mais social democrata, mas um partido de direita, cujas “preocupações sociais” não passam de expressão vã.
Em nome do cumprimento do acordo com a troika, indo-se muito mais longe que o previsto no mesmo, esmaga-se a classe média, prolonga-se ilegalmente o horário de trabalho, pois tal matéria não foi discutida em sede de concertação social, aumenta-se a pobreza, a miséria e o desemprego.
A situação de bancarrota a que Portugal chegou implicava medidas difíceis e duras, mas também não se deveria procurar corrigir em dois anos uma situação iniciada há mais de um quarto de século, agravando a injustiça social e caminhando para uma sociedade dualista.
De há três anos a esta parte, Passos Coelho reclama-se do liberalismo. Quando ambos militávamos na JSD, na segunda metade dos anos 80 do século passado, já aquela ideologia estava em debate na sociedade (era o tempo em que Reagan e Thatcher governavam os EUA e o Reino Unido). Nunca se afirmou liberal.
As actuais concepções pseudo-liberais de Passos Coelho devem ter sido “lidas” em algum livro por si inventado, como o inexistente “Fenomenologia do Ser”, de Jean Paul Sartre. Este intelectual de esquerda francês publicou uma vasta obra. Da mesma não consta qualquer livro com tal título.
A sua política só pode ser considerada liberal se o liberalismo for visto de pernas para o ar. Os liberais clássicos sempre se preocuparam em criar classes médias maioritárias, combatendo assim os socialismos. Adam Smith, "pai" do liberalismo económico, há cerca de 250 anos falava na criação de " uma rede social abaixo da qual ninguém deve cair". Ora, o governo está a destruir a classe média e a tornar grande parte dos pobres ainda mais pobres. Não é isso que o mestre do liberalismo, Schumpeter, definia como “destruição criadora do capitalismo”. Esta política mais parece querer dar razão a Marx quando afirmava: “o desenvolvimento do capitalismo levará à destruição das classes médias e à concentração de riqueza na grande burguesia”.
Bom seria que os governantes actuais lessem Lenine acerca das suas recomendações aos bolcheviques para não assustarem as classes médias, ou a líder comunista alemã Rosa Luxemburgo, quando, no final da segunda década do séc. XX, dizia aos seus camaradas, a fracção auto-denominada espartaquista (marxista-leninista) do Partido Social Democrata Alemão, a propósito da violência praticada pelos mesmos nas ruas: “cuidado! Estamos a assustar a pequena burguesia!”. O esmagamento da revolta espartaquista, o qual levou à morte da própria Rosa Luxemburgo e de Karl Liebknecht, líderes daquele fracção, pelos corpos francos, de extrema-direita, deram-lhe razão. No nosso país temos uma violência social com origem no governo e na maioria PSD/CDS que suporta o mesmo no parlamento, virada essencialmente contra os mesmos sectores de classe.
Quem se lembrar das afirmações de Passos Coelho na campanha eleitoral, certamente chegará à conclusão que o mesmo pratica, em grande parte, o contrário do que prometeu. Mais: as prometidas mudanças estruturais na saúde, na educação ou na segurança social foram metidas na gaveta, tal como o socialismo por Mário Soares, quando era primeiro-ministro. O que se está a fazer é um grande aperto e não qualquer mudança estrutural, pelo que, no fim de 2013, estejamos ou não como a Grécia actualmente, as mudanças tendentes a transformar Portugal num país moderno estarão por efectuar.
Sem dúvida, D. Januário Torgal Ferreira tem toda a razão sobre as considerações que teceu acerca do OGE. A actuação governamental é a segunda morte (agora político-ideológica) de Sá Carneiro. Como o mesmo afirmava no seu tempo, voltámos a ser “um país onde os velhos não têm presente e os jovens não têm futuro”.
A terminar, aconselhamos os governantes a adoptarem como seu hino a canção "o trono é do charlatão", de José Mário Branco e Sérgio Godinho.

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