quinta-feira, 11 de março de 2010

SÃO PEDRO DO SUL, HOJE – O MEDO DE EXISTIR


«Em Portugal, nada acontece [...]; Em Portugal, não há debate político [...]; Em Portugal, a arte não tem espaço público [...]; Em Portugal, a arte não entra na vida, não transforma as existências individuais[...]; Em Portugal, não há uma comunidade literária como não há uma comunidade artística ou científica [...]; Em Portugal, o espaço público falta cruelmente [...]; Em Portugal, nada mudou [...]; Em Portugal, os trabalhos académicos não circulam na opinião pública [...]; Em Portugal, o nível de conhecimento geral é extremamente baixo [...]; Em Portugal, o direito à cultura e ao conhecimento ainda não chegou ao sentimento da população [...]; Em Portugal, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão de liberdade [...]; o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo [...]; Em Portugal, vivemos numa sociedade sem espírito crítico [...]; Portugal conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e de liberdade [...]; Em Portugal, não existe o fora [...]; Em Portugal, nada se inscreve, quer dizer, nada acontece [...]; Portugal é o país por excelência da não-inscrição [...]; Em Portugal, a lei não se cumpre, os programas não se realizam, não se pensa nunca a longo prazo, as fiscalizações não se fazem, a administração não se transforma realmente, os projectos de reforma não se executam, os governos não governam [...]; Em Portugal, nada tem realmente existência[...]; Em Portugal, nada tem efeitos reais [...]; Em Portugal...»

Eis o pensamento de José Gil, expresso no livro «Portugal, Hoje – O Medo de Existir», da Relógio d’Água, 2004.

Não tendo a veleidade de contraditar tão insigne filósofo, sequer de tecer considerações sobre os seus ensinamentos (outros mais capazes fá-lo-ão muito melhor), não posso deixar de fazer o seguinte exercício: substituir «Portugal» por «São Pedro do Sul».

O resultado é este:

«Em São Pedro do Sul, nada acontece [...]; Em São Pedro do Sul, não há debate político [...]; Em São Pedro do Sul, a arte não tem espaço público [...]; Em São Pedro do Sul, a arte não entra na vida, não transforma as existências individuais[...]; Em São Pedro do Sul, não há uma comunidade literária como não há uma comunidade artística ou científica [...]; Em São Pedro do Sul, o espaço público falta cruelmente [...]; Em São Pedro do Sul, nada mudou [...]; Em São Pedro do Sul, os trabalhos académicos não circulam na opinião pública [...]; Em São Pedro do Sul, o nível de conhecimento geral é extremamente baixo [...]; Em São Pedro do Sul, o direito à cultura e ao conhecimento ainda não chegou ao sentimento da população [...]; Em São Pedro do Sul, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão de liberdade [...]; o São Pedro do Sul democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo [...]; Em São Pedro do Sul, vivemos numa sociedade sem espírito crítico [...]; São Pedro do Sul conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e de liberdade [...]; Em São Pedro do Sul, não existe o fora [...]; Em São Pedro do Sul, nada se inscreve, quer dizer, nada acontece [...]; São Pedro do Sul é o país por excelência da não-inscrição [...]; Em São Pedro do Sul, a lei não se cumpre, os programas não se realizam, não se pensa nunca a longo prazo, as fiscalizações não se fazem, a administração não se transforma realmente, os projectos de reforma não se executam, os governos não governam [...]; Em São Pedro do Sul, nada tem realmente existência[...]; Em São Pedro do Sul, nada tem efeitos reais [...]; Em São Pedro do Sul...»

Não tenho por hábito ter uma atitude derrotista ou pessimista perante a vida, pelo contrário. Relativamente a São Pedro do Sul, então, auguro um grande e radioso futuro, atentas as características naturais que lhe são inerentes e a qualidade das pessoas que nela vivem (ainda que algumas estejam neste momento como que adormecidas, arredadas da vida pública, perante a mediocridade reinante).


Apesar disso, a minha atitude perante a nossa cidade foi ultrapassada pela realidade dos factos e sou (quase) forçado a subscrever o texto alterado. A crueza dos números não me permite subscrever opinião contrária.


Vem isto a propósito da Assembleia Municipal extraordinária convocada pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda. Já agora, para sossegar aqueles que ainda se não aperceberam da razão do nome, diz-se «extraordinária» porque não é conforme ao ordinário ou ao costume, na prática porque não faz parte daquelas – ordinárias – cuja obrigatoriedade a lei prescreve, e não por servirem apenas para tratar de assuntos excepcionais ou urgentes.


Passando à frente de (mais uma) discussão estéril, a bancada do Partido Socialista inscreveu, nessa dita assembleia, os pontos na ordem de trabalhos que a seguir enuncio, cujo mérito deixo à consideração dos sampedrenses:

1. Pedido de informação sobre os supostos conflitos dos trabalhadores com o administrador da Termalistur, EM, Vítor Leal, com audição deste;


2. Proposta de revisão do regimento com aprovação em plenário;


3. Proposta de criação da marca «São Pedro do Sul – Capital do Desporto de Aventura»;


4. Análise e fiscalização das empreitadas das Variantes e da Estrada de Pindelo dos Milagres para efeitos de apresentação de proposta de aplicação das multas contratuais previstas;


5. Proposta de verificação do cumprimento das acessibilidades de deficientes motores aos seguintes edifícios públicos situados na cidade de São Pedro do Sul: CM, Tribunal, Finanças e Segurança Social;


6. Proposta de verificação do cumprimento da legislação da qualidade do ar interior e eficiência energética dos seguintes edifícios públicos situados na cidade de São Pedro do Sul: CM, Tribunal, Finanças e Segurança Social;


7. Proposta de atribuição de um subsídio de nascimento no valor de 500,00 € a cada nascimento no concelho de São Pedro do Sul;


8. Proposta de alteração do local da reunião da Assembleia Municipal;


9. Análise e debate sobre o projecto da criação dos cosméticos pela Termalistur – pedir dados e verificar métodos na escolha dos parceiros;


10. Proposta de implementação de um modelo um sistema de avaliação de carácter indicativo, ou seja, não vinculativo, dos subordinados às chefias;


11. Proposta sobre o seguinte destino a dar à antiga cadeia de S. Pedro do Sul: criação de uma Loja do Cidadão;


12. Proposta de adesão ao Simplex Autárquico;


13. Recomendação sobre procedimentos a adoptar junto da administração central relativamente aos planos de ordenamento do território em elaboração;


14. Proposta de criação de um pólo de um politécnico na área do Termalismo em S. Pedro do Sul.


Ainda a apresentação de cada um dos pontos inscritos não tinha começado, ou seja, ainda as vantagens, custos e impactos de cada um não tinham sido explanados e quantificados, e já o líder da bancada do partido do poder tinha deixado escapar a intenção da sua bancada em expressar um voto massivo contra. O chamado voto cego.

No entanto, porque acreditávamos (como acreditamos) na bondade, utilidade e oportunidade das propostas, resolvemos mantê-las todas em discussão, não deixando nunca de trazer à colação outros municípios (liderados pelas mais variadas forças políticas) que as tinham adoptado e das vantagens que daí tinham resultado para a sua população – Óbidos, relativamente à criação da marca «Óbidos», e Porto, quanto às vantagens dos programas de simplificação que têm implementado, foram alguns dos exemplos.


Não serviu de nada. Decorridas cerca de 5 horas de exposições, argumentações e explicações, o resultado foi o bloqueio total de todas as iniciativas postas à votação pelo Partido Socialista.


Poder-se-ia ter dado o caso de, por detrás de cada voto contra do partido do poder, estarem alternativas, projectos próprios, ideias singulares. Infelizmente, se assim era, nada nos foi apresentado como alternativa. Negação pela negação, foi disso que o partido do poder tratou, quase parecendo um (mau) partido de oposição!


Por tudo isto, a assembleia municipal referida ficou impressivamente marcada pela negativa. Catorze negativas desferidas contra propostas que poderiam contribuir para algum desenvolvimento de São Pedro do Sul. Catorze chumbos deliberados de forma cega e antecipada pelo partido do poder. Catorze oportunidades perdidas para São Pedro do Sul.


Não pretendemos inventar a roda. Sabemos que já foi inventada há muito. Não deixaremos, contudo, de levar a todas as assembleias futuras propostas que sirvam os interesses de São Pedro do Sul.


Desta vez foram catorze propostas apresentadas e outras tantas chumbadas. Veremos nas próximas assembleias quantas serão (de certeza) apresentadas pelo Partido Socialista e qual o número das que verão a luz do dia por parte do partido do poder.


Os sampedrenses estarão atentos à forma e ao conteúdo das propostas que venhamos a apresentar e aos motivos (se é que os há!) que conduzam à respectiva aprovação ou chumbo.


Até lá, e fazendo uso da adaptação ao texto de José Gil, direi que «em São Pedro do Sul, vivemos numa sociedade sem espírito crítico [...]; São Pedro do Sul conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e de liberdade». São estas as tristes conclusões a retirar depois do espectáculo degradante que foi a última assembleia municipal.

3 comentários:

António disse...

Parabéns, Daniel, pela assertividade do teu comentário. Sugiro que o faças publicar nos jornais locais, para alcançar mais público.

João Carlos Gralheiro disse...

Meu caro Daniel,o que consta do seu texto é a demonstração da apagada e vil tristeza em que vivemos, mais precisamente, em que nos obrigam a vegetar neste jardim à beira rio plantado. A denúncia deste estado de coisas é um dever cívico e por isso comungo do comentário do António quando diz que o seu texto deve ser publicado nos jornais locais.

Anónimo disse...

As propostas apresentadas não passam de conversa redonda ou, pior ainda, de medidinhas que só agravam o atrofio em que vivemos. Um concelho livre, com liberdade política e civica só será possivel quando se colocar em causa os modelos partidários e autárquicos vigentes, bem como o poder economico que a politica exerce sobre o comum dos municipes. A dependência economica - por força da subordinação laboral e pelo papel de verdadeiro agente economico que as câmaras adoptam - e a consequente pressão do parasitismo partidário que esse modos operandis inevitávelmente atrai, impossibilitam qualquer hipotese de uma sociedade civil livre e autonoma da esfera política. Mas isso ninguem quer discutir ou colocar em causa por motivos eleitorais obvios.
Álias, o grosso das propostas só vêm alargar e firmar ainda mais esse papel abusivo da politica na vida ordinária das pessoas. Por mais bem intencionado que estejam, ao criar a marca são pedro ou a dar 500€ por cada rebento, por exemplo, está-se a comungar do mesmo modelo: acreditar que a politica e umas quantas cliques partidárias têm a veleidade e a sapiencia para decidir os negocios a apoiar e até - veja-se lá - a dar uns palpites acerca do funcionamento do relógio biológico do municipe. Grandiosa liberdade.